Os servidores de todo o país prometem uma ofensiva para barrar o projeto de lei do Senado que acaba com a estabilidade no setor público. O texto regulamenta a demissão de funcionário estável de todos os Poderes e esferas municipal, estadual e federal por “insuficiência de desempenho”. Os principais argumentos de entidades sindicais contra a proposta é de que há inconstitucionalidade, pois teria que ser de iniciativa do Executivo, e que a forma de avaliação é injusta e subjetiva.
O substitutivo do relator Lasier Martins (PSD-RS) passou na quarta-feira pela principal comissão da Casa: a de Constituição e Justiça (CCJ). A aprovação foi por nove votos a quatro, o que deixou o funcionalismo em alerta. O texto original foi proposto pela senadora Maria do Carmo (DEM-SE), sob o argumento de que a população se sente lesada quando não tem um retorno de bom serviço público.
Secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva afirmou que “a luta contra o avanço do projeto” vai se intensificar. Segundo ele, caso o texto passe (depois) na Câmara dos Deputados, os sindicatos que compõem o Fonasefe, que é o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais recorrerão à Justiça para tentar derrubá-lo.
“O projeto não poderia ser de iniciativa do Senado. Em matéria de servidor, a proposta teria que vir do Executivo”, argumenta ele, que complementou: “As entidades vão questionar a constitucionalidade do projeto no Senado. E se houver aprovação nos plenários da Câmara e do Senado e promulgação da lei entraremos com ação no Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Para Silva, atualmente, não há condições de se avaliar o serviço público, pois o setor vem passando por cortes de investimentos. “Para cumprir metas, é preciso que a União dê condições de trabalho. Mas só este ano o governo contingenciou 40% de investimentos em todos os setores”, informou.
Integrantes do Sindicato dos Servidores das Justiças Federais no Estado do Rio (Sisejufe) foram na quarta à CCJ e entregaram aos senadores nota técnica que apontava falhas no projeto. Diretora da entidade, Lucena Pacheco informou que haverá pedidos de audiências públicas na Casa.
“Entregamos nota técnica pedindo a rejeição ao texto. Agora, pediremos a realização de audiências públicas, principalmente porque a maior preocupação são os critérios subjetivos de avaliação”, declarou Lucena, ressaltando que poderá haver injustiça com o servidor.
Entenda a proposta
Avaliação de 1º de maio a 30 de abril do ano seguinte
De acordo com o texto substitutivo, a avaliação será feita por uma comissão formada pela chefia direta do avaliado e mais dois servidores estáveis (um escolhido pelo setor de recursos humanos do órgão e o outro por sorteio entre os funcionários lotados na mesma unidade). Já na proposta original, da senadora Maria do Carmo, essa apuração ficaria a cargo da chefia imediata do funcionário público.
O período de apuração será feito entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano seguinte. No fim, o servidor receberá um conceito. Essa foi mais uma mudança do substitutivo, pois o texto anterior previa avaliação a cada seis meses. Para a análise, haverá dois critérios fixos (produtividade e qualidade) e outros cinco fatores variáveis (inovação, responsabilidade, capacidade de iniciativa, foco no usuário/cidadão).
Os fixos contribuirão com até metade da nota final apurada. Já os variáveis deverão corresponder, cada um, até 10% da nota. Dependendo do resultado final, dentro de faixa de zero a dez, o desempenho será classificado da seguinte forma: S (superação,igual ou superior a oito pontos); A (atendimento), a partir de cinco e inferior a oito pontos; P (parcial), igual ou superior a três pontos e inferior a cinco pontos; não atendimento (N), inferior a três pontos.
A possibilidade de demissão ocorrerá se o avaliado receber conceito N nas duas últimas avaliações ou não alcançar o conceito P (atendimento parcial) na média tirada nas cinco últimas avaliações. Ele terá direito a recorrer ao recursos humanos em dez dias após o resultado.
De acordo com o Senado, passadas essas etapas, o funcionário estável ameaçado de
desligamento ainda terá prazo de 15 dias para apresentar suas alegações finais à autoridade máxima da instituição em que ele trabalha. Entre os senadores da CCJ que votaram contra o texto estavam Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Vanessa Grazziotin (PC do B-AM). Antes de ir ao plenário do Senado, o texto passará ainda em mais três comissões, começando pela de Assuntos Sociais (CAS).
Em seguida terá que passar por análise dos integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Legislação (CDH) e Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).
PROPOSTA DEVERIA SER DO EXECUTIVO E NÃO DO SENADO, DIZ JURISTA
Especialista em direito administrativo vê falhas no projeto
Para o especialista em Direito Administrativo e professor de Direito da PUC-Rio, Manoel Peixinho, o projeto apresenta falhas, devido aos critérios subjetivos de avaliação. Além disso, ele afirma que a iniciativa da proposta deveria ser do Poder Executivo, já que o tema trata de servidor público. Peixinho acrescenta ainda que o correto seria uma uma proposta de emenda à Constituição e não projeto de lei (o projeto do Senado é para regulamentar artigo da Constituição Federal).
“A aprovação de uma comissão (avaliadora) composta pelo chefe e mais dois compromete o critério de objetividade da avaliação”, disse ele, que opinou: “Deveria ter um setor independente, autônomo, fora da estrutura imediata da administração pública
que fizesse essa avaliação periódica do servidor a partir de critérios que fossem objetivos. E, é claro, esses critérios teriam que ser mensuráveis por meio de preenchimento de formulários de avaliações dos colegas de trabalho”.
O advogado frisou ainda que não poderá haver margem para subjetividade. E sobre a comissão composta pela chefia e mais dois servidores, o jurista acredita que os funcionários subordinados ao superior hierárquico poderão sofrer pressões. Ele lembrou também que há muitos casos na Justiça em que servidores tiveram que questionar critérios de promoção e ascensão. “Então, obviamente, a proposta é uma falha, porque deixa um espaço enorme para a subjetividade”, disse.
“O servidor tem que ser capacitado, preparado. Então, antes de criarem critérios de avaliação, seria importante que o Estado fornecesse programa de capacitação técnica, em que eles se sentissem humanizados, capacitados e, principalmente, valorizados”, finalizou.
Fonte: Jornal O Dia